Viração de dois grandes atores

Assisti a terceira montagem do espetáculo “Viração” da Companhia Italiana de Teatro Ladrão que aconteceu no SESI em Taguatinga-DF. A peça conta com o talento dos atores Márcio Menezes e Rômulo Augusto que assinam também o texto. Gostei de rever, gostei de ver as mudanças e o rumo que o trabalho está tomando. Assisti a primeira montagem no Teatro Mosaico e na época fiquei super entusiasmado, pois a peça tinha um tom crítico inteligente que abordava assuntos muito atuais como: a mídia, as celebridades, a política e outros temas da nossa vida contemporânea. Agora a dupla se mostra mais segura em cena, mais à vontade para o improviso, mais experiente. Fico pensando  nessa turma que tanto me tocou nesses últimos anos desde a “Casa de Bonecas servida por Homens”-(2006) percebo que houve sim amadurecimento, os caras estão mais vividos, mais experientes, mais velhos, e foi essa constatação que mais me agradou. Eles hoje não têm pudor de se mostrar, corpos de 40 anos, não malhados avacalhando a malhação. Falam do que incomoda, purgam a vida, as mazelas irritantes que o dia-a-dia nos impõe. O deboche impera. Nesta versão o sexo ganha mais espaço, a razão e a crítica cedem lugar para o desvario. Tudo bem, não me incomodei.  Antes eu tinha um olhar mais cabeça para a proposta, mas as soluções dessa nova montagem compensam a pseudo-loucura pois tudo que é dito tem sentido, tem razão, tem revolta e uma consciência que há muito tempo não vejo no teatro.

Entretanto o que mais me agradou mesmo foi o dinamismo cênico da dupla. É muito legal quando dois atores se completam em cena. E esse fenômeno é claro quando falamos de Márcio e Rômulo. Cada qual com seu estilo nos tocam e nos levam para onde querem. De nossa parte, nos identificamos, temos medo, rimos e nos surpreendemos com as peripécias e ousadias da dupla. Duo que revela a mesma fonte, a mesma formação. Esses dois são famosos juntos desde os tempos da Faculdade de Artes da UnB. Desde então com esse legado nos brindam com a maturidade de pensamento. Pensamento artístico que querem negar, talento que parece que não reconhecem em si próprios. Quem dera um dia a cultura brasileira pudesse dispor de recursos orçamentários para termos esses caras talentosos fazendo somente teatro. Quem dera, nós brasilienses, pudéssemos ter o prazer de contar com trabalhos mais freqüentes desses meninos geniais. Quem dera.

Queridos Márcio e Rômulo,

Em homenagem a vocês publico abaixo texto sobre a primeira versão de “Casa de Bonecas” encenada na Cooperativa em 2006:

Teatro ou Discussão

A peça “Casa de Bonecas servida por homens”, em cartaz em Brasília, configura um convite para papo bem descontraído sobre o tema da masculinidade, instigando o público por meio da discussão sobre o “ser masculino”. Entretanto esta discussão não tem o caráter restrito e determinado de modo a esgotar o tema, muito menos a ambição de encontrar respostas ou marcar posição sobre a questão “ser homem”. A peça, antes de tudo, é uma obra de arte cênica que conta com recursos originais, fruto da criação coletiva de um grupo de homens. Encenada em um bar a peça incentiva a participação do público que aceita o convite para beber e conversar. De estrutura simples e contagiante, a ação se desenvolve com uma sucessão de monólogos que lançam luz a fatos e relatos marcantes na vida dos personagens. Assim, vão surgindo histórias, reminiscências do tempo de menino, desafios e ritos de passagem, tal como abordado no livro “João de Ferro” de Robert Blay, mas, à medida que a encenação avança o público o público começa a se embriagar com visões e sensações que o levam ao imaginário dos rituais dionisíacos. A integração das narrativas por meio da excelente atuação dos atores deixa o clima com uma atmosfera excitante e reflexiva. Excitante, pois todos são tomados pela identificação do que é apresentado, e o relaxamento promovido etilicamente permite a reflexão. Como por encanto, é possível imaginar faunos e sátiros em cena, bacantes na platéia seduzem e reagem às provocações. A cada momento um ator saca seu texto com a expectativa da mimesis, da imitação da divindade, que naquele ambiente dionisíaco somente poderia ser a do deus Baco. Por essas características, “A Casa das Bonecas servida por homens” surge como uma obra ancorada na origem do teatro, remete-nos ao cortejo e festas em adoração a Dionísio, as bacanais, que na tentativa da imitação dos Deuses davam voz individual e transcendente aos meros mortais. Obra cênica de verve original e formato contemporâneo, que ousa o mote da discussão como isca e se mostra como inusitado exemplar do teatro brasiliense de excelente qualidade, fato que hoje tem se tornado tão raro em Brasília.

Grande abraço,

Do amigo

Adauto

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